segunda-feira, 14 de maio de 2007

Lições de Bento XVI

Uma vez que o Papa voou de volta a Roma, bem que os nossos políticos em geral, e todos os homens de boa vontade em particular, poderiam dedicar algum tempo a refletir sobre as lições que ele ensinou durante sua breve estada no Brasil. Há lições para todos os gostos. E elas nada têm a ver necessariamente com a opção religiosa de cada um.
Pensamento e ação – Bento XVI é conservador em excesso? Inflexível em excesso? Ouvido mais de perto, a resposta é sim e não, a depender do ponto de vista do freguês. Mas depois de dois mil anos, a Igreja Católica conserva o status de principal organização religiosa do mundo. É o ramo mais importante do Cristianismo. Possui mais de um bilhão de fiéis.
Parte do segredo de sua influência está no fato de que jamais abdicou de seus dogmas. De tempos em tempos, e à luz do conhecimento humano, alguns podem ser atualizados – mas no essencial se mantêm. A pregação do Papa e seu comportamento são coerentes. Não há lugar para concessões em matéria de fé - e é disso que se trata.
O político marcadamente coerente, inflexível, corre o risco de se tornar um fundamentalista. Os partidos são cada vez menos ideológicos e mais programáticos. Na Itália, o ex-Partido Comunista está se fundindo com a Democracia Cristã. Os dois se bateram pelo poder desde o fim da 2a. Guerra Mundial. Os Estados Unidos financiaram a Democracia Cristã para impedir que os comunistas governassem.
Há 20 anos, seria inimaginável que os dois partidos pudessem se juntar um dia. Aqui, equivaleria neste momento à fusão do PT com o Democratas, ex-PFL (eu disse: neste momento. Amanhã, nunca se sabe). PT + PSDB? Moleza. Brincadeira de criança.
Relativismo moral – Transigir é condição indispensável para que se governe. Mas há valores e padrões sociais com os quais não se pode transigir. Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, citada ontem pelo jornal O Estado de S. Paulo, dá conta de que boa parte de deputados e de senadores atribui “ao sistema” a culpa por tantos casos de corrupção política entre nós.
Conversa para boi dormir! Quem valoriza a honestidade não se corrompe. Se é preciso se converter à corrupção para se dar bem na política, não me converto. É crime bater carteiras – nas ruas ou nos parlamentos. Bento XVI ensinou que é proibido tolerar práticas imorais – e a corrupção é uma delas. Não existem políticos mais ou menos corruptos. Existem políticos corruptos e políticos honestos. É simples.
Operar na diversidade – O Papa desembarcou no Brasil interessado em barrar a aprovação de lei que permita o aborto e em tornar obrigatório nas escolas o ensino de religião. Ainda em pleno vôo entre Roma e São Paulo, em conversa com jornalistas, sugeriu que poderia excomungar os políticos que votaram a favor da legalização do aborto no México.
De fato, pretendeu juntar o que o homem separou desde a fundação da República – o Estado e a Igreja. Foi uma má lição. A boa foi dada por Lula quando disse: “Sou contra o aborto, mas o Estado é laico”. Como cidadão, Lula pode ser contra o aborto. Como presidente, está obrigado a avaliar se a melhor política pública é liberar o aborto ou não. Caberá ao Congresso decidir.
A Itália legalizou o aborto e não se ouviu do Papa a ameaça de excomungar ninguém. A mesma coisa aconteceu há pouco no ultracatólico Portugal. Em um Estado laico, como tornar obrigatório o ensino de religião nas escolas públicas? De uma única religião? De todas? Seria um disparate.
Quase no fim do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a Receita Federal autuou a Basílica de Nossa Senhora Aparecida por não ter pagado impostos sobre a venda de material religioso. Os templos são isentos de impostos, segundo a Constituição – mas os negócios que realizam, não.
Marketing papal – Foi coisa de gênio Bento XVI aparecer várias vezes e sem hora marcada para saudar as pessoas que queriam vê-lo mesmo de longe. Belíssimo o figurino do Papa e dos príncipes da Igreja (nossos políticos se vestem muito mal). Impecáveis os cenários montados para as cerimônias ao ar livre. - Noblat

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