Pato manco
"Madame está gastando demais”, alertou Paulo César Farias, ex-tesoureiro de campanha de Fernando Collor, pouco antes do início da crise política que culminou há 15 anos com a queda do primeiro presidente da República eleito pelo povo desde o fim da ditadura militar de 64. A madame era Rosane, mulher de Collor. PC pagava despesas do casal.
Renan Calheiros é alagoano como PC e Collor. Foi líder do governo Collor na Câmara dos Deputados. Depois, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique. Presidiu o Senado nos dois últimos anos como aliado de Lula. Foi reeleito em fevereiro para novo mandato de dois anos. É político profissional há quase 30 anos. Era razoável que tivesse aprendido a lição do seu conterrâneo sobre gastos de madame.
PC arrecadou dinheiro ilegal para sustentar a ambição de Collor de ficar o máximo de tempo no poder. A lição deixada por ele nada tem a ver com volume de despesas, e sim com a origem do dinheiro necessário para pagá-las. Renan é suspeito de ter pagado com dinheiro de terceiros despesas da jornalista Mônica Velloso, mãe de um filho recente dele.
Conta a VEJA que Cláudio Gontijo, lobista da construtora Mendes Junior, pagou em dinheiro vivo a Mônica durante três anos R$ 12 mil de pensão alimentar não contabilizada, e mais R$ 4,5 mil de aluguel de apartamento. Gontijo foi fiador do contrato de aluguel. Amigo de Renan, financiou campanhas dele, do irmão e do filho. Mantinha em Brasília um flat usado por Renan para encontros discretos.
Gontijo nega que o dinheiro pago a Mônica fosse dele ou da construtora. Renan jura que o dinheiro saiu do seu bolso. Podendo tê-lo repassado para Mônica via um assessor de confiança, um parente dele ou dela, escolheu logo um lobista de construtora. Sabe-se o que um parlamentar amigo pode fazer por uma construtora – e vice-versa. Imagine o que não pode fazer um ex-ministro e presidente do Senado.
Há um ponto fraco na história repetida por Renan a seus colegas desde a última sexta-feira. Há também uma ameaça velada. E há um truque. Primeiro o truque. Em nota, Renan disse que sua privacidade foi violada. Apresentou-se como vítima da mídia. Ora, o conhecimento de certos aspectos da vida privada de um homem público serve para que o eleitor possa melhor avaliá-lo. Vai que surge na vida dele um lobista intermediando pagamentos... O público merece saber.
A ameaça de Renan: a se investigar quem pagou suas despesas, que se investigue as relações entre políticos e empreiteiras. Renan joga com o medo dos colegas. Cada um tem seu Gontijo. E muitos têm sua Mômica. A essa altura, como criar uma CPI da Navalha sem convocar Renan para depor? Governo, senadores e deputados darão um jeito de impedir a criação da CPI.
Somente uma CPI teria poderes para quebrar o sigilo fiscal, bancário e telefônico de Renan, Gontijo e Mônica e tirar tudo isso a limpo. A pedido do Ministério Público ou da Polícia Federal, a Justiça poderia autorizar. Vale uma aposta de que deixarão Renan em paz?
Vamos ao ponto fraco da versão do senador. Na semana passada, em audiência no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Renan se ofereceu para pagar a Mônica uma pensão mensal de R$ 3 mil. Alegou que ganha menos de R$ 13 mil como senador. Ocorre que Renan pagou a Mônica durante três anos R$ 16.500,00 mensais - algo equivalente a 100 mil dólares/ano.
De onde saiu o resto do dinheiro? “De ganhos agropecuários”, segundo ele. Se ganha tão bem, ficou barata a pensão de R$ 7 mil fixada pelo juiz para para sustentar Mônica e o filho.
Quanto a Gontijo, testemunhou o sufoco do amigo ao longo de três anos, mas nada fez para ajudá-lo – salvo entregar a Mônica mensalmente um envelope com dinheiro.
Renan omite que suspendeu o pagamento da pensão quando Mônica exigiu que ele assumisse a paternidade do filho. E que só topou fazer exame de DNA diante do risco de Mônica pôr a boca no mundo.
Renan tem provas de que o dinheiro pago a Mônica era dele? Comprovantes de saques bancários? Possivelmente, não. Mas provar que o dinheiro era do lobista ou da construtora não é problema de Renan. É problema de quem queira condená-lo. Mônica não quer condenar Renan. Quer uma pensão mais gorda, apenas isso.
Em 2005, Severino Cavalcanti renunciou à presidência da Câmara e ao mandato porque recebeu de um dono de restaurante mensalinho de R$ 10 mil. Uma merreca. Mas ali o extorquido provou que depositara dinheiro na conta de Severino.
Renan se escalou para o papel de extorquido. Deixou para Mônica o papel de vilã. E os demais senadores, comovidos com a encrenca em que Renan se meteu, estão dispostos a acreditar nele.
A propósito, visite o Congresso. Consiga ser admitido nos gabinetes acarpetados da República. Comente sobre como o destino foi ingrato com Antonio Palocci, candidato natural à sucessão de Lula se não tivesse perdido o emprego de ministro da Fazenda.
Você ouvirá como resposta que Palocci caiu porque foi vítima da libido. É secundário o fato de ele ter usado a força do aparelho de Estado para esmagar o caseiro que o flagrara em festinhas íntimas.
Nem sempre a História, pois, se repete como farsa...
Lula tinha na presidência do Senado um aliado instável e às vezes incômodo. Ganhou um pato manco. - Ricardo Noblat
segunda-feira, 28 de maio de 2007
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