
Uma mulher que é redatora e fazia um blog sobre a indústria de pornografia infantil foi ameaçada de estupro. Uma mãe solteira que mantinha um blog sobre “o dia-a-dia agitado da maternidade” foi acusada de bater em seu filho por um perseguidor virtual. Já Kathy Sierra, que ficou famosa com seu diário virtual sobre softwares de design, virou alvo de ataques anônimos online que espalharam montagens fotográficas que a mostravam com um nó no pescoço e uma mordaça na boca. À medida que as mulheres ganham visibilidade na blogosfera, viram alvos de assédio sexual e ameaças. Os homens são importunados também, e a falta de civilidade é um problema na web. Mas as mulheres, que compõem cerca de metade da comunidade virtual, são os alvos preferidos em ameaças sexualmente explícitas – uma tendência que começou nas salas de bate-papo na década de 1990 e que agora está passando para a blogosfera, dizem especialistas e blogueiros. Um estudo feito pela Universidade de Maryland a respeito das salas de bate-papo descobriu que as mulheres recebem 25 vezes mais mensagens sexualmente explícitas e maliciosas do que os homens. Já o instituto de pesquisas norte-americano Pew Internet & American Life Project descobriu que a proporção de internautas que participavam de salas de bate-papo e grupos de discussão caiu de 28% em 2000 para 17% em 2005, tudo por causa do êxodo das mulheres. Segundo o estudo, o motivo seria “sensibilidade a comportamentos preocupantes na internet”. Joan Walsh, editor-chefe da revista online Salon, diz que, desde que a seção de cartas do site foi automatizada há um ano e meio, “ficou difícil ignorar que críticas às mulheres são muito mais brutais e maldosas do que às direcionadas aos homens”. Arianna Huffington, cujo site Huffington Post está entre os blogs femininos mais importantes, disse que o anonimato online tem permitido que “muitos desses preconceitos ocultos em relação às mulheres venham à tona”. O site dela adotou um política de tolerância zero em relação a linguagem abusiva e excessivamente obscena. Moderadores trabalham 24 horas por dia, sete dias por semana, para filtrar os comentários. Kathy Sierra, cujo caso recente atraiu atenção internacional, suspendeu seu blog. Outras mulheres censuraram a si mesmas, voltaram-se para fóruns privados ou fecharam seus blogs a comentários.Muitas usam pseudônimos que tanto poderiam identificar homens ou mulheres. Algumas simplesmente mostraram coragem e perseverança e permaneceram. Mas o resultado do assédio constante, dizem blogueiros e especialistas, é fazer com que as mulheres relutem em participar na rede –abandonando a promessa da web como um fórum igualitário. Robert Scoble, blogueiro de tecnologia que tirou uma semana de folga em solidariedade a Kathy, conta que as mulheres lhe disseram que o assédio tira o incentivo para a participação online. Isso, diz ele, afetará suas perspectivas de emprego na indústria tecnológica dominada por homens. “Se as mulheres não se dispuserem a aparecer em eventos em rede, seja offline ou online, nunca serão incluídas na indústria.”O tratamento dado às mulheres na rede não é apenas um equivalente do que acontece no mundo real, dizem algumas mulheres. A internet permite que o conteúdo seja visto imediatamente, muitas vezes permanentemente e com muito mais alcance do que um simples comentário rabiscado na parede de um banheiro. “A coisa triste é que tenho recebido milhares de mensagens de mulheres dizendo ‘você foi um modelo para mim’”, diz Kathy, descrevendo os recados recebidos depois de ter suspendido seu blog.Ela foi a primeira mulher a fazer uma palestra de abertura numa conferência sobre o sistema operacional Linux. O blog dela era o número 23 na lista dos 100 principais diários no maior diretório especializado da web, o Technorati. Esse ranking é feito de acordo com o número de blogs que se conectavam ao site dela. O diário dela, Creating Passionate Users (Criando Usuários Apaixonados), era sobre as “coisas mais leves e agradáveis”, diz. Kathy conta que, de vez em quando, recebia algum comentário aleatório. Mas, há pouco mais de um mês, eles se tornaram mais ameaçadores. Alguém comentou no blog dela que iria cortar sua garganta e ejacular. Depois, veio a foto dela com um nó no pescoço, em um site para atormentá-la. Na página alguém postou o comentário: “A única coisa que Kathy tem a me oferecer é aquele nó do tamanho do seu pescoço”. Em um outro site veio a foto com a mordaça, que a fez sentir como se estivesse sendo sufocada. Havia uma legenda que dizia: “Sonhei com Kathy Sierra”. “Foi quando eu não agüentei mais”, diz. No mês passado, no que pretendeu ser sua última postagem no blog, ela escreveu: “Cancelei todas as minhas palestras agendadas. Estou com medo até de sair no quintal. Nunca mais me sentirei do mesmo jeito. Nunca mais serei a mesma”. Ela recebeu milhares de comentários expressando indignação, incluindo e-mails de mulheres prestando testemunho de suas próprias experiências dolorosas. Os depoimentos “diziam recebi isto. Recebi aquilo. Passei a me ocultar.”De acordo com especialistas, dois fatores contribuem para o caráter virulento dos ataques – fazer um blog em um campo dominado por homens, tal como a tecnologia, e atingir um certo grau de relevância. Susan Herring, professora de informática da Indiana University, dos EUA, diz que os primeiros fóruns da internet eram recebidos com otimismo, já que seus primeiros adeptos tendiam a ser pessoas instruídas, socialmente conscientes, que queriam estabelecer comunidades. Até 2003, diz Susan, era relativamente raro encontrar negatividade nos blogs. Agora, os blogs correm o risco de se tornarem maldosos, ao menos na parte destinada a comentários. Kathleen Cooper, uma mãe solteira, diz que começou a sofrer assédio há cerca de cinco anos, após postar um réplica na internet a respeito de uma ameaça que um amigo havia sofrido em seu blog.Kathleen, então, começou a receber acusações difamatórias em seu próprio diário, no blog do difamador e depois em um site que se propunha a rastrear “más intenções”. “O cara dizia que não poderia se responsabilizar pelo que ‘seus capangas’ fariam a mim.”Ela, que mora em Sarasota, Flórida, tentou proteger seu site com senha.Com mais cinco mulheres, procurou o servidor que hospeda o blog do tal difamador e pediu para desativar o site. Não adiantou. A página foi reaberta em outro servidor.Os policiais riram dela, dizendo coisas como ‘‘não é grande coisa. É apenas conversa online. Ninguém virá pegá-la”. Algumas blogueiras dizem que suas colegas precisam ser menos medrosas. A colunista Michele Malkin, de um blog sobre política e cultura, diz que se solidariza com Kathy, mas reprova as blogueiras que só expressam indignação agora. “Primeiramente, onde andavam todas vocês? Durante vários anos, o submundo perturbador da web é documentado aqui”, escreveu, reproduzindo no seu site um comentário que clamava pela “tortura, estupro, assassinato” da família dela. Informe as ameaças graves à polícia, insiste ela. E acima de tudo “continue blogando. Não fuja”. Mas Susan, da Indiana University, diz que Michele é uma minoria. “Há um grande número de mulheres que estão sendo intimidadas”, comenta. Entre elas, estão acadêmicas, programadoras e outras mulheres que normalmente não temiam dizer o que pensam. “Mudei completamente”, disse uma professora, que falou sob a condição de anonimato para evitar futuros assédios. “Eu me autocensuro loucamente, porque não estou a fim de sofrer outra rodada de insultos”. Alguns blogueiros têm clamado por um código de conduta que inclua a proibição de comentários anônimos. Mas outros blogueiros resistem a isso porque consideram uma restrição à liberdade de expressão.Os fundadores do BlogHer, uma comunidade online com 10 mil membros que apóia as mulheres, disse que a melhor maneira de impor a civilidade é cada blog criar suas próprias normas – tal como retirar comentários insultuosos – e depois tornar as normas públicas e aplicá-las imparcialmente. Susan diz que o declínio da participação das mulheres em salas de bate-papo foi nefasto. “Se virmos muito assédio na blogosfera, ocorrerá uma queda no número de mulheres que têm blogs? Creio que sim.” - Ellen Nakashima (The Washington Post)
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