O regime de liberdade sindical e eleitoral propiciou ao País asfaltar o caminho no rumo do desenvolvimento ao mesmo tempo em que exigiu dos movimentos sociais posturas propositivas. "No sindicato nossa marca registrada era a contestação. Hoje todos têm que apresentar propostas", avalia o presidente Lula. Sobre as reivindicações agrárias afirma que muitos ainda não entendem que o problema agora é de natureza econômica e não mais de assentamento. "Precisamos dar condições para (os pequenos agricultores) produzirem e ganharem dinheiro. As pessoas têm que saber que ganhar dinheiro é bom." Mais uma vez, afirma que o governo se manterá distante da tramitação do projeto de substituição da CPMF. "Essa será uma decisão do Congresso e graças a Deus as instituições no Brasil funcionam exageradamente bem."
Junto com a estabilidade monetária, alcançada desde a chegada do real, a continuidade democrática começa a descobrir o Brasil como uma das grandes forças da economia mundial. "Estamos trabalhando com o cenário de que o País será a terceira ou quarta maior potência do petróleo no mundo, não somente com exportação de óleo bruto, mas sim com uma verdadeira indústria com valor agregado por trás", afirma o presidente da república.
Para aproveitar esse novo ciclo de riquezas, Lula adianta que está discutindo com sua equipe a criação de um novo fundo de combate a pobreza e investimentos
O presidente Lula recebeu os jornalistas da Gazeta Mercantil e do Jornal do Brasil na manhã de sexta-feira passada em sua sala no palácio do Planalto em Brasília
Gazeta Mercantil — Há mais de vinte anos o senhor começou uma caminhada para chegar até aqui. Do que o senhor se lembra dessa época?
— Eu durante muitos anos fui o sindicalista do ano da Gazeta Mercantil. E o António Ermírio era escolhido o empresário do ano. E eu também sempre tive uma relacionamento muito forte com o JB, que tinha um diretor em São
Paulo chamado João Batista Lemos. Foi quando começaram as greves do ABC. O JB tinha uma cobertura quase privilegiada. Não só pela minha amizade com o Lemos, como também porque o jornal tinha uma sucursal muito forte. Tem até uma história muito curiosa. Quando estive preso, ouviram pessoas me procurando na delegacia dizendo que "o chefe" queria falar comigo. "O chefe, o chefe, o chefe". Aí criaram essa história de que era o ministro Golbery do Couto e Silva, do governo. Nada disso. "O chefe" era o Lemos. O pessoal dele que entrou na delegacia dizendo que ele queria falar comigo. Só isso. Acho que, na época, o JB era o jornal que tinha mais atuação no ABC, era o mais lido na época O jornal tinha uma cobertura sindical forte. Tinha também, naquela época, uma cobertura muito forte de igreja.
GZM — Igreja e sindicalismo, eram coberturas muito fortes...
— Aquele momento também era de muita ebulição. De muitas conquistas. Pega o sindicato de São Bernardo do Campo. Para distribuir um jornalzinho do sindicato você tinha que enfrentar a ira de um coronel que chefiava a segurança da Volkswagen. Eles cercavam o pátio, a gente chegava com o caminhão, dava marcha a ré e quebrava aquela coluna Para o trabalhador entrar com o boletim do sindicato, ele tinha que guardar por dentro da camisa, na barriga, com medo da segurança ver. Hoje você vai na Volkswagen, você vai na linha de montagem, vai passando jornalzinho para qualquer trabalhador pegar o seu.
GZM — O movimento ficou muito mais pragmático?
—
GZM — Além da votação geral.
— Primeiro é votado na seção dele, aí ele vai para a comissão. Aí da comissão se escolhe quem vai ser diretor. E aí vai para o geral.
GZM — O senhor diria que o sindicalismo se adaptou aos novos tempos?
— Acho que o sindicalismo teve uma evolução em suas conquistas. Os sindicatos podem transitar nas suas relações com o capital ou mesmo com o governo com mais facilidade. Hoje, para fazer uma greve, um sindicato organizado nem precisa convocar assembléia. Eu precisava passar uma semana gritando na porta de fábrica. Agora convoca-se a comissão de fábrica no mesmo dia- "quarta-feira, 8 horas vamos estar lá". O sindicalismo atualmente vem ao Congresso Nacional brigar por Imposto de Renda, os funcionários públicos estão aprendendo a brigar por aumento na hora de fazer o novo Orçamento da União. O movimento sindical nunca deu importância para o salário mínimo porque normalmente os trabalhadores dos sindicatos organizados ganham mais que o mínimo. Hoje o mínimo é uma coisa que mobiliza os trabalhadores. No meu tempo, qual era a nossa marca registrada? Era a da contestação. Não tinha compromisso com propostas. Só o de protestar. Hoje, e eu participei muito disso na década de 90, o movimento sindical tem que ser propositivo. Na medida em que as fábricas não vão ter mais a quantidade de trabalhadores que tinham — a Volkswagen tinha 44 mil trabalhadores c hoje tem 13 mil — os sindicatos têm que ser mais propositivos, têm que apresentar propostas. Esse negócio de carro flexifuel, por exemplo, tem muito a ver. O sindicato passou oito anos fazendo proposta de renovação da frota
GZM — As lideranças sindicais não parecem ter se renovado? Qual a sua visão sobre esse processo?
— Alguns sindicatos se renovaram muito. Eu considero o sindicato de São Bernardo o mais bem organizado do Brasil E isso desde que foi fundado em 1959, porque ele nasceu com muita força, pois foi fundado junto com a indústria automobilística Em 1978 eu convoquei uma assembléia para proibir que alguém fosse presidente mais do que dois mandatos. Temos isso desde aquela época Eu entrei no movimento sindical em 1969, fui presidente sindical em 75, sai em 80, já fui candidato à presidência da república por três vezes, perdi as três eleições, fui candidato a governador, já estou no segundo mandato e tem gente que ainda é dirigente sindical daquela época que ainda estava no sindicato. Então a renovação é extremamente importante para o movimento sindical. Eu diria que tem duas categorias muito bem organizadas no movimento sindical hoje, os bancários e os metalúrgicos, que têm mais força Depois vêm os professores em alguns estados, como São Paulo, e os petroleiros, que também são muito organizados.
GZM — Quem o senhor escolheria como sindicalista do ano hoje?
— Eu entendo que o presidente do sindicato de São Bernardo do campo, o Feijó, é o mais competente sindicalista que nós temos no Brasil hoje. Eu escolheria ele.
GZM — O movimento social não evoluiu da mesma maneira. O MST lembra muito isso que o senhor está dizendo, que é de se tornar uma máquina de protesto.
— E muito difícil você fazer movimento social, e até sindical, em época em que as coisas estão indo bem. Quando o Fernando Henrique Cardoso fez o Plano Real, fiz uma reunião com os sindicalistas, e disse: não estamos acostumados a trabalhar em época de inflação baixa. Na medida em que você tem inflação baixa e que o salário não é o primeiro item da pauta de reivindicações, pode diminuir a força do sindicato. Voltando à questão do movimento social. Na medida em que você tem um governo que atende às reivindicações, que faz as coisas que têm que ser feitas, que decide as políticas em conjunto, o movimento social também precisa avançar. No caso dos sem-terra, na hora que você tem geração de emprego, tem menos gente para os assentamentos. Na hora que você desapropria 35 milhões de hectares de terras, o volume é muito alto. Em cinco anos e meio nós desapropriamos 35 milhões de hectares de terra e o governo passado, em oito anos desapropriou 18 milhões de hectares. Chega um momento, quando você assenta 501 mil famílias, que o problema não é mais assentar. Nós tomamos na semana passada a decisão de fazer os assentamentos produzirem mais alimentos. Acabar com essa loucura de gastar dinheiro para desapropriar a terra. Chegou a hora de dobrar ou triplicar a produtividade das pessoas que estão no campo. Não podemos permitir que fiquem apenas naquela agricultura de subsistência. Precisamos dar às pessoas condições para produzirem e ganharem dinheiro. 'Elas têm que saber que ganhar dinheiro é bom. E eu acho que isso é que tentaremos fazer daqui para a frente. Obviamente que vamos continuar com os assentamentos, mas eu quero carrear mais recursos para assistência técnica, e para levar tecnologia para os agricultores e financiar mais tratores.
GZM — Se baixassem um pouquinho os juros, isso não ajudaria a aumentar a produtividade?
— Hoje aproximadamente 60% do custo do dinheiro que vai para a produção no Brasil não têm nada a ver com a taxa básica do Banco Central, a taxa Selic. Você tem dinheiro tomado por empresários no exterior com outras taxas de juros, você tem todo o dinheiro do BNDES - R$ 90 bilhões este ano - financiado com outra taxa de juros. O grande prejudicado com a Selic é o próprio Estado, porque aumenta a dívida pública. O problema é a inflação. E por que há inflação? Porque algum setor está aumentando o preço. Se ninguém aumentasse o preço, não teríamos inflação. Há setores que estão aumentando preços porque dependem de matéria-prima internacional, mas não isso não explica o aumento do feijão, do arroz, que são coisas nossas. No caso do aço, o minério é brasileiro, as siderúrgicas são brasileiras, os salários são em reais, então não há como acompanhar o preço internacional. Tenho dito, tanto para os empresários como para os agricultores: está na hora de vocês começarem a fazer um alerta importante aos setores que estão aumentando preços. E qual é a alegação para aumentar preços? Aumenta a demanda na construção civil, aumentam os preços. Os empresários deveriam ter um procedimento diferente. Na medida em que aumenta a demanda, não precisa aumentar o preço. Vocês vão ganhar mais pelo aumento do volume de vendas. Qual a certeza com que eu trabalho? Primeiro, eu acho que nós resolveremos a questão dos alimentos. Segundo, a questão da oferta. Precisamos aumentar a produtividade. Temos terra, temos água. Por isso vamos melhorar a produtividade, qualificar melhor nossos agricultores. A segunda coisa importante é que temos mais investimentos sendo aplicados. Nesse primeiro momento o investimento se transforma
GZM — O ministro da Fazenda, Guido Mantega, propõe a criação do Fundo Soberano para segurar a, inflação. Os economistas falam em controlar os gastos públicos.
— Por que nós criamos o Fundo de Soberano? Porque dá margem de manobra para você ter um dinheiro para facilitar os investimentos do Brasil no exterior e ao mesmo tempo ele dá uma margem de manobra com a arrecadação a mais, a fim de não colocá-la no custeio e ter um dinheiro à parte, que pode ser contado até como superávit primário. Fiz questão de elogiar o Mantega e a equipe dele, porque foi uma medida extremamente inteligente. Então, quando as pessoas falam que a máquina gasta muito, eu queria dizer o seguinte: quanto o Franklin Martins (ministro-chefe da Secretaria de Comunicação) ganhava na Rede Globo, ou quanto ele ganhava na TV Bandeirantes? E quanto ele ganha aqui? R$ 10 mil, para trabalhar certamente o triplo do que ele trabalhava. Ontem recebi o Ricardo Kotscho (ex-secretário de imprensa do Palácio). Está trabalhando num blog. Ele disse que nunca ganhou tanto dinheiro. Ficou três anos aqui ganhando R$ 7 mil. Eu tinha um cidadão da Petrobras, que saiu da Petrobras, chorou aqui nesta sala, grande companheiro. Eu achei que ele ganhava demais - R$ 26 mil por mês. Achei que era um baita de um salário. Ele saiu para ganhar R$ 200 mil por mês com dois anos de pagamento adiantado. E agora já saiu para ganhar R$ 400 mil. Você tem um grau de funcionários de alta qualidade neste país que ganha porcamente. O Estado precisa ter funcionários qualificados, bem remunerados, para dar o retorno para a sociedade. As pessoas perguntam, por que o Hospital Sarah Kubitschek funciona e as pessoas são felizes lá? Porque ganham bem, têm jornada de trabalho integral, não podem trabalhar em outro serviço.
GZM — Como o senhor vê as eleições nos Estados Unidos. Torce para alguém?
— Não, não posso dizer. O Monteiro Lobato escreveu que um dia haveria uma disputa entre uma mulher e um candidato negro nos Estados Unidos. E o que está acontecendo com o Barack Obama. Eu acho que é uma revolução na cabeça do eleitorado americano. Essa é a grande novidade desses últimos 100 anos da História. E Deus queira que, ganhando as eleições, ele possa ter uma política dos Estados Unidos diferente para a América Latina.
GZM — O senhor o conheceu pessoalmente?
— Não. Mas tem a vantagem que o Mangabeira Unger (ministro de Assuntos Estratégicos) foi professor dele
GZM — O senhor o congratulou pela vitória nas primárias?
— Não. Até conversei com o Mangabeira, o ideal é esperar pelo final da campanha, para saber qual será a política dele para a América Latina, o que ele já fez com relação ao Brasil, quanto aos combustíveis de fontes renováveis. É um passo importante. A meu ver os Estados Unidos deveriam ter um olhar para a América Latina, que não fosse o olhar conspirador. Hoje não existe mais ninguém querendo fazer revolução na América Latina. Hoje todos os países estão participando de programas democráticos. Agora o que acontece é que os Estados Unidos, de um lado, têm a responsabilidade, o Brasil, de outro, tem a mesma responsabilidade, assim como o México, de contribuir para que essa região se desenvolva e possa evoluir
GZM — Aqui no Brasil, o senhor acha que vai conseguir eleger a ministra Dilma Rousseff em 2010?
— Eu não tenho candidato.
GZM — O senhor declarou há poucos dias que a Dilma está sendo atacada por ser a favorita.
— Não declarei isso. Estranhamente, isso surgiu quando disse no Rio de Janeiro, que Dilma era a mãe do PAC. Porque ela trabalha nesse PAC 24 horas por dia, porque ela controla todos os investimentos do PAC, ela que fica sabendo se é preto, se é roxo, ela é que chama os ministros, ela é que presta contas para mim a cada mês, é ela que presta contas para a imprensa. Depois que eu disse isso, talvez os adversários entenderam que era uma senha. E começaram a atacar a Dilma.
GZM — Estão atacando a Dilma por ela ser a favorita para ganhar as eleições?
— A minha idéia é construir uma candidatura da base do governo. Quero juntar todos os partidos. Acho que é plenamente possível. Você tem 27 candidatos a governador, 54 candidatos a senadores, você tem vices, cargo não falta para quem quiser disputar. Basta que as pessoas decidam claramente se querem disputar a eleição para ganhar ou se querem fazer aventura de ser candidato a qualquer preço. Eu, particularmente, trabalho com a hipótese de fazer a minha sucessão. Estou convencido que o tudo que estamos fazendo precisa continuar. Eu ainda não tenho candidato, não quero discutir isso. Agora, se você perguntar: "A Dilma tem competência?" Eu digo, tem, sim. Acho que tem pouca gente no Brasil hoje com a capacidade gerencial que a ministra Dilma tem. Agora, entre ter competência gerencial e uma candidatura à Presidência, há uma distância da largura do Oceano Atlântico.
GZM — Qual legado o senhor entende que deixará ao sucessor?
— Vamos esperar 2010. Eu pretendo fazer uma inovação no final o meu mandato. No final do meu mandato eu quero pegar todas coisas que foram feitas. Cada ministério vai ter que me entregar tudo o que foi feito nesses últimos anos, registrar em cartório e me entregar, que eu quero entregar para o meu sucessor, quero entregar para a imprensa, registrado
GZM — Por falar em preconceito, no Rio de Janeiro, por exemplo, o PMDB e o PT romperam a aliança em torno da candidatura do petista Alessandro Molon. Motivo: existia uma grande dificuldade de acordo com o PT no interior do Estado. O senhor não acha que existe um certo preconceito do PT com os partidos aliados?
— Não vamos misturar divergências político-ideológicas com preconceito. São duas coisas distintas. O PT, como os outros partidos políticos tem os seus defeitos. Todo partido político, do A ao Z, todos gostariam de ter o seu candidato a prefeito, o candidato a vice ser seu, a chapa de vereador ser puro sangue e eleger todo mundo. É bom que isso não seja sempre possível, para que nós possamos ter a cabeça arejada. Mas, infelizmente, não deu certo no Rio de Janeiro entre o PT e o PMDB, embora tenha dado certo em vários outros lugares.
GZM — Mas como o senhor vê o caso de Belo Horizonte?
— Sou um crítico do comportamento do PT em relação a Belo Horizonte. Você tem um problema local, que a direção municipal aprovou, a direção estadual aprovou, e a direção nacional parte para cima de uma briga que não é nossa. Ora, o candidato é do PSB, o vice é do PT, não vai ter coligação na chapa de vereadores, onde é que está o Aécio Neves a essa altura, senão apenas apoiando? Qual é o estigma, se nós temos em outros lugares aliança com o PFL e com o PSDB? Na política também quando você cria estigmas contra as. pessoas, você começa a perder. Eu ainda acredito que o PT vai voltar atrás no caso de Belo Horizonte.
GZM — E no caso do Rio?
— No caso do Rio, o PMDB decidiu ter candidatura própria. Eu não posso dizer que não deva ter porque o partido tem o governador do Estado, é forte, pode ter. Agora, o que eles têm que admitir é que o PT também tem que ter candidato. O que eu acho é que se todos tivessem juízo a base do PT se uniria com o candidato a vice e a prefeito, ganharia as eleições e ajudaria a transformar o Rio de Janeiro na Cidade Maravilhosa.
GZM — Isso vai fazer com que o senhor tenha que ficar neutro na disputa do
Rio
— Já tomei a minha decisão antes. Eu participarei muito pouco das eleições municipais em todo o país. O presidente da República não vai se meter nas eleições municipais, porque tem muitos deputados concorrendo às eleições. E a glória de quem ganhar vai ser dele, na cidade dele. Vai ter festa, não vou ficar nem sabendo. Mas os que perderem voltarão para cá azedos. E aí eu tenho que conviver com eles mais dois anos. Então eu preciso saber que caldo de galinha e cautela não fazem mal a ninguém. Eu preciso governar este país até 2010, com a tranqüilidade que estamos governando agora. Por isso não farei das eleições municipais um cavalo de batalha.
GZM — O que o senhor achou do depoimento da diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), Denise Abreu?
— É como se alguém levantasse pela manhã, fosse fazer um suco de laranja e a laranja não tivesse suco. Ou seja, como é que podem alguns senadores passarem 9 horas naquela conversa com ela, sem nada. Espremiam, espremiam e, nada. Ò que deu? Qual é o resultado daquilo? Esse caso da Varig foi inteiramente cuidado por um juiz, começou e terminou. Não houve participação do governo, porque o governo não podia fazer nada. Estava na mão do Judiciário. Agora vêm as pessoas e dizem: mas o governo tinha pressa. Lógico que nós tínhamos pressa. A Varig estava quebrada. Todo dia a manchete era sobre o caos aéreo. Vejam o caso do avião de Congonhas. Foi o pior inferno que eu já vivi. De repente, estou sentado na minha mesa e jogam nas minhas costas 200 mortos. E eu acompanhei tudo que se escreveu, acompanhei televisão, mudava de canal toda hora. Era como se o governo fosse o responsável por aquele avião ter caído. Nós não parávamos nem para pensar. E no dia seguinte saiu o vídeo da Infraero mostrando o que realmente aconteceu. As pessoas simplesmente apagam da memória, sem um pedido de desculpas. Ou um "erramos". Apagam, esquecem. Eu penso que, no Brasil, a imprensa trabalha com traumas. Não tem coisa que magoe mais um jornalista do que ser chamado de chapa-branca. E às vezes, o medo de ser chapa-branca faz ele extrapolar os limites do que pode fazer. O telespectador é mais inteligente do que a gente pensa. Ele saca. O, telespectador não acredita nem em uma pessoa que só fale bem, nem em uma pessoa que só fale mal. Se você aparecer 20 vezes falando bem do governo, ninguém acredita. Se você aparecer 20 vezes só falando mal, também ninguém acredita.
GZM — A Gazeta publicou recentemente um estudo mostrando que há 5 milhões de brasileiros trabalhando pelo mundo. Como se tivéssemos um Estado dos Emigrantes. O Banco Mundial estima que esses brasileiros mandam para o Brasil cerca de USS 7,5 bilhões por ano. O que o Brasil pode fazer por esses emigrantes que estão trabalhando lá fora? Como o senhor vê a contribuição desses brasileiros, que saem das suas localidades para buscar uma alternativa.
— Num país que não gerava emprego e com razoável crescimento demográfico, é justo que as pessoas procurem um lugar no planeta para trabalhar. Um belo dia os alemães descobriram o Brasil, em 1850. Em 1865 os italianos descobriram o Brasil. Como os japoneses descobriram o Brasil em 1908. Depois vieram os espanhóis. Tenho amigos que estavam trabalhando no Brasil e que viram na convocação para trabalhar lá fora uma oportunidade de aprender uma língua a mais, de dar uma melhor educação para os filhos. E essas pessoas contribuem muito com o Brasil, de forma extraordinária, mandando para cá os seus salários. No mundo globalizado, acho que as pessoas vão cada vez mais transitar. Mas aquelas que foram pura e simplesmente por emprego, na medida em que começa a haver oportunidades aqui, elas voltam. Veja o que vai acontecer: nós assinamos um decreto de concessão da hidrelétrica do Rio Madeira. Nós precisamos contratar, em caráter emergencial, 50 engenheiros. E não tem aqui no mercado. Nós vamos ter que buscar os brasileiros que estão lá fora. Acho ótimo. E se não tiver nossos, contrataremos argentinos, engenheiros de outro países. Acho isso uma coisa boa. Temos brasileiros no Japão, temos brasileiros na Itália. Estou sabendo que a Itália tem agora uma propensão a convidar brasileiros para irem para lá. Acho uma coisa boa. Da mesma forma que eles estão aqui. A cultura brasileira não seria o que é se a gente não tivesse nas raízes a cultura alemã, espanhola, japonesas. Isso enriquece. Obviamente que há uma tendência natural, de que, quando alguém fica bem de vida, começa a deixar de receber os parentes mais pobres. Se você é pobre, você não esquece de ir na casa do seu amigo para tomar uma cerveja. Mas se ganha na loteria, já vai colocar um portão, um cadeado, já não está para mais ninguém. Os países são assim. Quando estão ficando mais ricos, eles não querem que os pobres transitem por lá. A direita, nestes países, tem um discurso muito agressivo, e a esquerda não tem discurso. A esquerda não defende os imigrantes porque acha que vai perder voto. Eu estava dizendo ao meu companheiro Zapatero que acho que a esquerda tem que construir um discurso. Qual é o discurso? Nós precisamos ajudar os países pobres a se desenvolverem porque aí as pessoas virão para cá como turistas e vão comprar os nossos produtos. É o único jeito de vocês evitarem a imigração. Se as pessoas continuam pobres e a Europa, rica, as pessoas vão querer ir para lá. Se o Brasil crescer sozinho e a América do Sul não crescer junto, virá muita gente para cá. Então nós temos responsabilidade de compartilhar o nosso crescimento com os países da América do Sul e com os nossos vizinhos.
GZM — O caso dos estrangeiros comprando terras na Amazônia
— Eu participei de uma reunião para discutir o problema da Amazônia. Estamos preocupados com a presença de estrangeiros com grandes propriedades na Amazônia. Foi criada uma comissão para examinar a questão a fundo. Teremos que tomar uma decisão, para ter controle de quem ocupa essas terras. Uma coisa é você comprar uma gleba e nela trabalhar e produzir, conforme a lei Outra é violar a nossa soberania sobre as terras brasileiras.
GZM — E essa descoberta de petróleo?
— Eu trabalho com o cenário de que o Brasil será o terceiro ou quarto produtor mundial de petróleo. Ò Brasil não pode se conformar a ser um país exportador de petróleo bruto. Nós precisamos usar essa potencialidade em petróleo e criar uma verdadeira indústria petroleira neste país. Um estaleiro para construir sonda, um estaleiro para construir plataforma, um estaleiro para construir embarcações. Hoje, se a gente tivesse que completar todas as sondas que a Petrobras precisa para começar a trabalhar, a gente não teria condições só com a produção brasileira. Será preciso a gente trazer de fora para que dê tempo de o nosso parque industrial se preparar. Mas essa é uma oportunidade excepcional para a gente desenvolver a indústria naval brasileira. E eu acho que nós precisamos aproveitar esse petróleo, eu não discuti ainda com ninguém o que nós vamos fazer com o petróleo, que pertence à União. As áreas que não foram leiloadas ainda são da União.
GZM — O Brasil deveria criar uma nova empresa com monopólio total sobre as novas jazidas?
— Estou pensando seriamente nos investimentos que podemos fazer Sonho com a criação de um fundo para investir na educação neste pais. Outra coisa que penso é que o Brasil vive um momento tão excepcional que eu acho que a nossa oposição deveria ser mais construtiva. Achei bom o programa de TV do PSDB. Eles deveriam fazer na prática o que falaram na televisão. Fizeram até em branco e preto para parecer uma coisa antiga. Gostei muito. Mas eu queria que eles assistissem ao programa todo dia quando levantassem de manhã para ir para o Congresso.
GZM — Os tucanos são menos raivosos que o DEM.
— Acho que está provado que essa coisa da política raivosa não dá certo. Quando fui candidato em 1989 — se vocês pegarem aquela campanha, vocês vão perceber — eu nunca disse para o Sarney 1% do que o Collor disse. Eu tenho muito cuidado. Aqui no Brasil, muitas vezes, a insinuação, ou a ilação, prevalece sobre a verdade. Então isso é triste na política, porque uma ilação pode levar você a fazer 50 artigos acreditando naquilo, e depois, quando se prova que não é verdade, você não tem como dizer que estava errado. E como se você apenas fechasse uma página e tivesse vergonha de dizer: eu escrevi aquilo.
GZM — O senhor ainda se julga de esquerda?
— Eu cada vez mais sou mais torneiro mecânico, (risos) Nunca gostei de andar com rótulo na testa, que sou isso ou aquilo. Obviamente que todo mundo sabe da minha origem, da minha vida pública, e que eu me considero um homem de esquerda.
GZM — E corinthiano...
— Sofri muito quarta-feira à noite.
GZM — Mas o senhor não pode falar mal do Sport, porque se quiser ser candidato ao Senado por Pernambuco...
— Só um ato de insanidade me faria deixar sete meses a Presidência da República para ser candidato ao Senado. Este aqui é o cargo mais importante da Federação. Eu levei 12 anos para chegar aqui, por que vou deixar isso aqui para ser candidato ao Senado?
GZM — O senhor ainda é jovem...
— Vou deixar a Presidência com 64 anos de idade. Obviamente que para os padrões políticos brasileiros não sou velho. Meu paradigma de longevidade é a Dercy Gonçalves e o Oscar Niemeyer. Quero chegar a essa idade, com o prestígio do Oscar Niemeyer e com a peraltice da Dercy Gonçalves. Eu a vi um dia desses na televisão, ela fala todas as bobagens que um ser humano tem direito. Obviamente que vou deixar a presidência aos 64 anos de idade e que nunca vou desistir da política. Eu também não quero voltar ao poder, não quero a voltar a dirigir o partido, não está mais na minha cabeça. Vou viajar pelo Brasil, gosto deste país, vou conhecer cada vez mais por dentro este país. E não tenho pretensões de dar palpites, quem quer que seja que esteja aqui, não ouvirá da minha boca nenhum palpite sobre qualquer que seja sua decisão. Na minha filosofia, rei morto, rei posto.
GZM — Mas nada impede que.o senhor volte. O senhor vai ser uma pessoa forte no país, de qualquer maneira.
— Não trabalho com a hipótese de volta. Se eu puder fazer um juramento: pela felicidade do meu filho caçula. Por que eu não trabalho com a possibilidade de voltar? Eu trabalho com a possibilidade de fazer a minha sucessão. Se eu eleger meu sucessor e ficar do lado de fora dando palpite, com poucos meses terei a pessoa que elegi como minha adversária. Como acontece em alguns países e como já aconteceu aqui. Se eu elegi uma pessoa, eu tenho a obrigação moral de ajudar a essa pessoa a governar bem. E uma forma de ajudar a governar bem é não dar palpite. Se for consultado, ainda assim, falar
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